Sami Goldstein
Meu Deus, em que mundo estamos? Não bastassem as trágicas notícias que avassalam nossas mentes desde o início da pandemia, passamos a conviver com fatos cada vez mais inimagináveis. Desnecessário repetir nomes e situações, pois dificilmente alguém não ouviu falar no pequeno Henry do Rio de janeiro, na chacina da creche em Saudades, no menino Gael da Paraíba ou no recém-nascido jogado em um terreno em Anápolis e queimado. Todos inocentes, sem “culpa no cartório” no jargão popular ou sem “pecados” para os mais religiosos. Como pai, dói só de tentar imaginar o que todos esses passaram e sofreram. Como ser humano, não posso conceber como alguém conseguiria sequer dar o primeiro passo para tamanha barbárie. Como leigo em Direito, não emito juízo para culpar ou inocentar. Como brasileiro, só posso dizer: o Brasil está doente!
Diziam que nos tornaríamos melhores pessoas com a pandemia. Que aprenderíamos a olhar para outro ser humano com piedade e solidariedade. Que tiraríamos nossas cerradas mãos dos bolsos e as estenderíamos com mangas arregaçadas e auxiliadoras ao semelhante. Que teríamos mais compaixão com a dor alheia e entenderíamos o que é estar na pele do outro. Ledo engano. Se antes precisávamos de um púlpito para nos descrever o assim chamado apocalipse bíblico, hoje podemos vislumbrar no dia a dia um cenário de deixar as lendárias cidades de Sodoma e Gomorra sentindo-se amadoras. Não melhoramos enquanto sociedade. O ganancioso se tornou ainda mais ganancioso na crise. O alheio passou a oferecer ainda mais indiferença. O braço ficou mais curto e a mão estendida cada vez mais fechada. A ignorância predominou e ofuscou a tsunami de óbitos que empilha corpos todos os dias. Acostumamo-nos com as mortes. Neste cenário doentio, os vários Henrys e Gaéis viram meras estatísticas. Temos um súbito imediatismo chocante para logo virarmos a página para qualquer outra notícia impactante. E segue o baile.
Parecemos padeiros do caos preparando a massa e esperando o fermento das tempestades fazerem seu papel. O Brasil está doente! Um país enfermo e urgentemente necessitado de uma vacina de decência e moralidade antes que o estado se torne terminal e sem volta. E não estamos muito longe disso. Enquanto a Fiocruz alerta que uma terceira onda agora, com taxas tão elevadas de casos, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave, a vergonhosa crise dos escândalos palacianos que vêm de Brasília parece não ter fim. Enquanto a CPI se desenrola, mais lama vai sendo jogada na cara do brasileiro. Prometeram-nos que a “mamata ia acabar” e o que vemos é mais do mesmo desde que espelhos e pentes foram trocados por terras e povos há mais de 500 anos. Enquanto nos Estados Unidos vacinados já podem ficar sem máscaras em locais fechados, aqui no Brasil ainda precisamos ensinar como usá-las corretamente para cobrir as vias aéreas. Enquanto o diretor do Instituto Butantan prevê vacinação lenta até setembro no Brasil, a população age como se não existisse pandemia, decretando, a cada flexibilização, a anarquia de bares e festas lotados.
Em um Brasil doente como no que vivemos, Henrys, Gaéis, chacinas em creches e bebês assassinados são, infelizmente, manchetes que impactam momentaneamente para logo caírem no esquecimento.
Estamos doentes. E nem nos damos conta disso.