Em uma das passagens mais emblemáticas da Bíblia, Moisés, outrora príncipe do Egito e depois escravo, agora tenta reconstruir sua vida como pastor. E lá, em meio a uma sarça em chamas cujas labaredas não a consomem, ouve a voz de Deus informando sua nova missão: retornar ao Egito, enfrentar o temível Faraó e libertar seu povo. Toda vez que passava por este trecho, eu pensava: qual seria a reação de um mortal comum diante desta cena? Lágrimas, temor, espanto, regozijo? Difícil sequer imaginar. Mas não era um qualquer naquela hora e naquele local. Era Moisés! E certamente o mestre nos brindaria com uma grande lição de altruísmo, determinação e, principalmente, obediência. Afinal, era o próprio Deus mandando. No entanto, a reação do libertador do povo hebreu foi a mais inesperada possível: uma pergunta. “Quem sou eu, que vá a Faraó e tire do Egito os filhos de Israel?”, foram as palavras. E, com isso, Moisés nos ensinou uma enorme lição, quiçá a maior de todas: mesmo diante do Divino, foi concedido ao ser humano o sagrado direito de questionar.
Quem leciona – como já lecionei durante muitos anos – está acostumado a uma mão levantada em sala de aula com algum argumento do tipo “professor, tenho uma pergunta boba para fazer.”. Eu sempre dizia: não existem perguntas bobas; existem, sim, respostas imbecis. Ou, por vezes, nem elas existem. Pois é a interrogação que nos move adiante e não o ponto final que sepulta toda informação. Peter Drucker ensinava que “o trabalho mais importante e mais difícil não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa”. Formular perguntas é um fantástico exercício mental. Uma poderosa arma capaz de transformar. Não à toa, diante da reticência do mestre Moisés em aceitar o que lhe estava sendo passado usando de todos os argumentos possíveis, que Deus, em mais uma brilhante atuação, pergunta (isso mesmo, pergunta) a ele: “que é isso na tua mão?”. E ele disse o óbvio: uma vara. A sequência todos conhecemos. Acaso Deus não sabia o que Moisés portava? Claro que sim. Mas, às vezes, precisamos perguntar o óbvio para conseguir abrir os olhos para o óbvio. Simples assim. Como dizia Voltaire, “um homem deve ser julgado mais pelas suas perguntas do que por suas respostas”.
Estamos em um delicado momento em que precisamos nos perguntar o óbvio pois estamos cegos com tanta polarização raivosa. Estamos enxergando o óbvio? O próprio pensador francês Voltaire pregava sua máxima: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”. Quando as perguntas deixam de ser feitas, as respostas tornam-se reféns de verdades absolutas e incontestáveis. O livre-arbítrio dado pelo Criador a sua criatura que até mesmo O questionasse nos ensina que o ato de perguntar jamais deverá ser cerceado. Em uma sociedade livre e justa, alicerçada em princípios éticos e morais, ninguém pode ser privado do sagrado direito de questionar.