Em outubro de 1956, foi lançado o episódio do Pica-Pau que marcaria gerações por décadas. “Niagara Fools” ou “Vamos às Cataratas”, em português, acabou tornando-se o símbolo do desenho. Na trama, o pássaro biruta está visitando as Cataratas do Niágara, quando um guarda do parque começa a contar vantagem de nunca ter deixado qualquer maluco descer as quedas d’água em um barril. Claro que o protagonista decide acabar com a paz e tranquilidade do pobre coitado e começa a levar barris para descer. O guarda faz de tudo para impedi-lo e acaba ele mesmo descendo as cataratas em vários barris ao longo do dia. Mais abaixo, em um dos mirantes, uma plateia de turistas se aglomera para assistir e comemorar cada novo barril que rola por água abaixo. E a cada queda, um grito que todos daquelas gerações conseguem ouvir saindo destas linhas: “Oêeeeee”!
“Oêeeeee” é o que bem define alguns dos noticiários desta semana. O Brasil enfrenta um declínio no seu nível de competitividade pelo terceiro ano consecutivo, de acordo com um índice gerado pela IMD, uma instituição suíça voltada para a educação executiva. Conforme o estudo, o Brasil ocupa agora a 60ª posição em uma lista de 64 nações, superando apenas África do Sul, Mongólia, Argentina e Venezuela. As informações são relativas ao ano de 2022. Um dos fatores que contribui para a baixa posição do Brasil é a qualidade da educação, avaliada a partir de uma combinação de dados e da percepção de executivos a respeito de como os jovens ingressam no mercado de trabalho. Neste ano, o país ficou em último lugar neste critério no ranking. Ainda neste tema, os números do Mapa do Ensino Superior no Brasil, do Instituto Semesp, divulgados neste último dia 20, apontam que mais da metade (55,5%) dos alunos que entram na faculdade no Brasil desiste dos cursos antes de se formarem. Nas áreas de tecnologia, como Ciência da Computação, Design de Games ou Sistemas de Informação, o abandono é ainda maior do que a média: 6 em 10 saem antes de terminar. Segundo especialistas, o mercado de trabalho aquecido, que emprega sem necessidade de diploma, e a desatualização dos currículos fazem os jovens não verem sentido em terminar uma graduação em TI. Para o estudo, um dos problemas é a educação básica sem qualidade, com formação insuficiente nas áreas de exatas, o que faz com que os estudantes não consigam acompanhar os cursos superiores de tecnologia e desistam. No Brasil, só 5% dos alunos terminam o ensino médio com desempenho considerado adequado em Matemática, segundo avaliações do Ministério da Educação (MEC).
“Oêeeeee”, estamos despencando. Uma queda livre com reflexos cada vez mais tenebrosos no futuro da nação. Enquanto vemos a classe política na esfera federal muitas vezes perdendo tempo com coisas fúteis, as janelas de oportunidades vão passando e se fechando. Por outro lado, o resto do Brasil vive como condomínio: reclamações em grupos de Whatsapp para, na hora da assembleia, poucos aparecerem. E, nesse meio, uma massa sem norte. Insisto na tecla que há alguns anos venho batendo nesta coluna: passou da hora de termos políticas públicas assertivas e eficazes que começam nas primeiras séries e vão além do ingresso no mercado de trabalho. Precisamos tirar o país deste barril sem direção – ou com apenas uma direção: para baixo – e criar mecanismos de reindustrialização, qualificação e dignidade. Em termos de esperteza, estamos perdendo até para o maluco do Pica-Pau. “Oêeeeee”!