
Você certamente já passou por algum outdoor com os dizeres “se você leu, é porque a propaganda funcionou”. Na realidade, se você leu, é porque sua leitura funcionou. Mas essa realidade está ameaçada. Levantamento da organização Todos Pela Educação, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE divulgado no início do mês, revelou que o número de crianças de 6 a 7 anos que não sabem ler e escrever cresceu 66,3% no Brasil em dois anos. Com a pandemia, a quantidade das que não foram alfabetizadas subiu de 1,43 milhão, em 2019, para 2,39 milhões, em 2021. Entre as crianças com menos condições, o percentual das que não sabiam ler e escrever saltou de 33,6% para 51% entre 2019 e 2021. Entre as mais ricas, o aumento foi de 11,4% para 16,6%. “Os efeitos são graves e profundos, então não serão superados com ações pontuais. As Secretarias de Educação precisam oferecer um apoio muito bem estruturado à gestão escolar e aos professores, que já estão com imensos desafios”, destacou o líder de políticas educacionais da Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa, em comunicado divulgado à imprensa.
Outro estudo, desta vez da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), concluiu que a pobreza na infância está associada a uma maior probabilidade de transtornos mentais externalizantes na adolescência e no início da vida adulta, especialmente entre meninas. Caracterizados por comportamentos como agressão, violação de regras, impulsividade e desatenção, tais transtornos prejudicam o desempenho escolar, resultando em maiores taxas de repetição e desistência. Exemplos incluem o Transtorno Desafiador de Oposição (TDO) e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). “Crianças e jovens adultos com distúrbios externalizantes podem ter maior probabilidade de ficar para trás na aprendizagem, no desenvolvimento social e no mercado de trabalho, aumentando a probabilidade de pobreza na futura vida adulta”, afirma a autora principal do estudo e pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carolina Ziebold.
Os dados, além de reveladores, são assustadores. Se você leu, é porque funcionou. Mas não funciona para todos. Estamos diante de um cenário extremamente preocupante para os cidadãos do futuro. Não funciona porque crianças que hoje não sabem ler e escrever – sintomas crônicos de políticas públicas equivocadas potencializadas pela pandemia – além de prováveis desenvolvedoras de transtornos graves, também poderão incrementar as já enormes filas de desempregados e desalentados. O Estado necessitará intervir com mais assistencialismo, comprometendo o desenvolvimento econômico como um todo. Educação é tudo, todos sabemos disso. Não há desenvolvimento sem um povo instruído. Oportunidades iguais para todos também é tudo. Não há quem consiga estudar com fome. A riqueza nos bolsos deve ser espelho da riqueza de conhecimento, a alma dando vida ao corpo.
Se você leu, é porque funcionou. Vamos juntos fazer funcionar para todos, que tal?