Segundo especialista existem opções mais viáveis e baratas no mercado que podem trazer, no curto prazo, mais ganhos para a comunidade e meio ambiente
Técnicos da montadora alemã Mercedes-Benz questionaram pontos da licitação do transporte urbano em Campinas, durante a audiência pública realizada na quinta-feira (6), no auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie. De acordo com eles, um dos modelos de veículos previstos para operação na cidade — o ônibus articulado elétrico a bateria — sequer está disponível no mercado nacional. A realização de audiências públicas é uma recomendação do Ministério Público, que concluiu ter havido pouca participação popular no processo de elaboração do edital.
“Estranhamos a previsão desse equipamento, pois ele não está disponível no mercado e, portanto, não é homologado para uso”, disse o engenheiro de produção da montadora, Orlando Zibini. “Como é possível prever o uso de um equipamento que ainda não está disponível no mercado?”, pergunta ele. O edital lançado no final do ano passado prevê 339 veículos elétricos de um total de 785 veículos da frota.
Outro questionamento feito pelo engenheiro é o fato de atualmente no Brasil existir apenas um fabricante de ônibus elétricos a bateria. “Em uma licitação desse porte é interessante tanto para o operador quanto para o usuário, que é quem paga a tarifa, ter opções de escolha de equipamentos mais viáveis, com custos menores de aquisição e de operação que esses ônibus elétricos a bateria”, pondera ele.
Também engenheiro de produto da fabricante alemã, Mike Munhato enfatizou a importância de o operador ter a possibilidade de escolher opções mais viáveis. “Da forma como foi colocado, não é possível escolher a melhor tecnologia e, com isso, a tarifa tende a ser muito elevada e, assim, afastar o passageiro do transporte”, avalia.
Para Orlando Zibini, existem opções mais viáveis e baratas no mercado que podem trazer, no curto prazo, mais ganhos para a comunidade e meio ambiente. Ele citou como exemplo o HVO (óleo vegetal hidrotratado, em português) ou diesel verde, uma tecnologia em fase bastante adiantada e que apresenta resultados significativos na redução da emissão de poluentes.
A LICITAÇÃO PREVÊ
135 linhas
785 veículos (386 básicos, 121 padrons; e 278 articulados)
399 veículos com ar-condicionado (do total de 785)
339 veículos elétricos (do total de 785)
100% da frota acessível
70,8 mil lugares ofertados
450 mil passageiros diários
13,4 mil viagens por dia
194,4 mil km rodados diariamente (4,85 voltas na Terra)
R$ 7,40 bilhões de contrato (15 anos)
R$ 870 milhões de investimento em frota e infraestrutura
R$ 60 milhões de subsídio estimado (anual)
“Se o HVO for aplicado a 100%, a redução das emissões de CO2 chega a 90%, dependendo da fonte da qual ele é produzido. Entre os materiais utilizados para fazer o diesel verde estão o óleo de soja, restos de gordura animal, lixo orgânico e até esgoto doméstico”, explica ele.
Outra vantagem apontada pelos técnicos é a de que a redução de poluentes não ficaria restrita apenas aos novos veículos que entrariam em circulação na cidade. Segundo eles, os atuais veículos poderiam ser abastecidos com a mistura do HVO em qualquer proporção de diesel S10. “Trata-se de um combustível drop in, que pode ser misturado ao diesel sem a necessidade de alterações mecânicas”, informam.
A Mercedes defende o uso do HVO como solução transitória e, no momento, mais viável até que os veículos elétricos estejam mais desenvolvidos e com menor custo. Atualmente, segundo a fabricante, enquanto um ônibus movido a diesel custa cerca de R$ 420 mil, o veículo elétrico a bateria pode chegar a R$ 1,6 milhão.
Por isso, os técnicos recomendam prudência para caminhar com a tecnologia da tração elétrica no transporte urbano. “É importante salientar que um único ônibus elétrico a bateria consome o mesmo que 70 residências por dia, ou seja, cerca de 350 kWh. Para fazer uma implantação em larga escala é imprescindível o bom dimensionamento da rede de transmissão elétrica, além de definir os horários e escalas de recargas nas garagens para não afetar a distribuição aos consumidores residenciais”, dizem.
A Mercedes entende que a eletrificação acontecerá de forma viável em um futuro de médio prazo. E, até lá, existem as alternativas intermediárias disponíveis para ajudar na fase de transição.
Outro lado
Em nota, a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) informou que todos os questionamentos realizados durante a 3ª Audiência Pública sobre a nova concessão do serviço de transporte público coletivo de Campinas foram devidamente respondidos, durante o evento.
Contudo, não detalhou se os pontos mencionados pelos engenheiros serão revistos. “A Audiência da Licitação do Transporte teve a participação de cerca de 140 pessoas, durou três horas e foi gravada, na íntegra, pela TV Câmara”, destaca o documento.
Polêmica nas redes
A matéria veiculada no jornal campineiro, Correio Popular, e divulgada na página do Facebook conta com 35 compartilhamentos e 24 comentários, na manhã desta sexta-feira (14), fechamento do Jornal Tribuna. A maioria das pessoas que escreveu elogia a ação dos técnicos. Leonardo J Souza reforça “que as licitações pro transporte Brasil à fora não são nem um pouco transparentes e, fato, fica pior quando o povo, maior beneficiado disso deixa de participar, como foi relatado na reportagem”, ressaltou.
Entre desconfiados, o dentista Renato Sampaio escreveu: “Licitação de um produto ainda não homologado… existe uma empresa na região que produz esse tal ônibus elétrico.. (parece que a) licitação para uma empresa apenas ganhar… parabéns aos engenheiros da MB pelos questionamentos.
Edital do transporte de Campinas está sob suspeita de direcionamento para empresas ligadas à eletricidade
A insistência da prefeitura de Campinas, Jonas Donizette, em colocar veículos elétricos para circular nas ruas da cidade após a licitação do transporte coletivo urbano começou a gerar desconfianças, inclusive da Justiça.
A suspeita é que o edital esteja sendo direcionado para beneficiar duas empresas: a BYD e a CPFL. As suspeitas começaram a crescer depois que o item descabido sobre a exigência de compra de uma série de ônibus articulados elétricos foi mantido no edital. Lembrando que no Brasil nenhuma empresa fabrica esse tipo de veículo.
A chinesa BYD tem sua base de pesquisa instalada em Campinas e ainda está andando em passos muito curtos. Sua pequena fábrica, localizada dentro do Terminal Intermodal de Cargas, fabrica quase que artesanalmente seus poucos chassis que são vendidos para algumas empresas brasileiras. Uma venda de mais de duas centenas de ônibus elétricos iria representar um salto enorme nas vendas da empresa no país.
A fábrica em Campinas foi inaugurada em meados de 2015, pouco antes da reeleição do prefeito Jonas Donizette. Uma série de promessas foram feitas na época, porém é fato que de lá pra cá, a BYD cresceu muito pouco. Houve vendas relevantes como as unidades dos ônibus elétricos para São Paulo, mas ainda é uma gota no oceano: menos de duas dezenas de veículos em um oceano de mais de 10 mil ônibus.
Com um edital exigindo um monte de veículos elétricos, a BYD seria a principal beneficiária dessa situação pois é a única a estar apta para a fabricação desses ônibus. Na primeira audiência pública realizada, representantes da Scania estiveram presentes e questionaram se poderiam ser usados veículos movidos a combustíveis alternativos, já que a marca disponibiliza ônibus movidos a gás metano, e na época foi dito que “será aceito o que estiver previsto em edital”, sem dar mais detalhes.
Outra empresa beneficiada diretamente com o uso de ônibus elétricos na cidade seria a CPFL Paulista, empresa onde o secretário de transportes, Carlos José Barreiro, trabalhou como diretor de distribuição da companhia entre 1998 e 2000, quando saiu para ser diretor-presidente na Sociedade Fluminense de Energia (SFE) até 2002. Barreiro também foi dono da GCF2 Consultoria Ltda, empresa de consultoria na área de energia elétrica, até 2011. Passou por outras empresas até chegar à Emdec em 2014. Barreiro é engenheiro elétrico e não tem nenhum conhecimento em transporte público, mas por vias políticas de interesse do prefeito Jonas Donizette e seus partidários do PSB.
Como consultor na área elétrica, fica a suspeita de direcionamento do edital para empresas do setor, pois não tem o menor cabimento uma quantidade exorbitante de veículos elétricos na cidade, sem o menor suporte. Além dos veículos, que são muito caros, há a necessidade da instalação milionária de carregadores e subestações nas garagens, o que encheria os bolsos das operadoras de energia elétrica com a maior facilidade.
O Tribunal de Contas do Estado pediu que seja feito um estudo adequado sobre a viabilidade da implantação dos ônibus elétricos na cidade, se realmente isso é possível, pois no “ótimo” edital da Emdec não há nada constatando que isso seja financeiramente viável com a tarifa a R$ 4,95. Enquanto isso, o edital segue suspenso. / Da Redação ODC.