Prefeitura autoriza associação de moradores a fechar entradas do bairro e exigir documento de identificação para o acesso
A área pública em que está localizado o Jardim Itapoan ganhará características de condomínio fechado. Mesmo não sendo loteamento privado, a Prefeitura de Paulínia divulgou no Semanário Oficial do Município do último dia 10, a autorização para que a Associação de Moradores do Bairro instale um ‘cinturão de segurança’ no bairro.
De acordo com o decreto, a associação de moradores terá direito a controlar o acesso às vias públicas do bairro no horário noturno, entre às 20 horas da noite e às 6 horas da manhã, exigindo solicitação de exibição de documento de identificação para todos os ocupantes de qualquer veículo que se dirija às áreas abrangidas pelo cinturão.
Para beneficiar-se da autorização municipal, a Associação de Moradores do Bairro Itapoan deverá arcar com os custos da estrutura de restrição e será obrigada a recolher anualmente aos cofres públicos, através de guia própria, a quantia equivalente a 35 UFP´s (trinta e cinco Unidade Fiscal de Paulínia), por lote nele inserido, ou seja, pouco mais de R$ 77.
Apesar de não divulgar o total da área pública restrita, a Prefeitura informa que a permissão poderá ser revogada a qualquer tempo, seja por descumprimento das obrigações ou quando o interesse público exigir.
Na opinião de especialistas, como o advogado e juiz federal Paulo Fernandes Silveira, a autorização da Prefeitura de Paulínia é inconstitucional. “Ao criar um misto de loteamento e condomínio fechado, a lei municipal inovou nessas duas áreas restritas, intocáveis e alterou o regime jurídico original do loteamento, delineado por lei federal. Ao agir assim, invadiu, indevidamente, a competência legislativa privativa da União”. Confira parte de seu artigo ‘Loteamentos contrariam princípio da isonomia’ a seguir.
:: HISTÓRICO
Há anos a Associação de Moradores do Jardim Itapoan requer o direito de cercar as vias de acesso ao bairro. A discussão voltou à Câmara de Vereadores em fevereiro do ano passado, quando uma matéria, de iniciativa do prefeito José Pavan Júnior (DEM), foi incluída na discussão da pauta.
O objetivo dos moradores é proporcionar mais segurança ao bairro, permitindo que as vias públicas sejam fechadas com floreiras, ficando os passeios liberados aos pedestres.
Segundo informações divulgadas na época, o acesso dos carros no bairro será liberado apenas pela Avenida Pio XII, sendo que o trânsito de veículos estranhos e de não moradores será monitorado.
Com a aprovação da lei, outros bairros poderiam solicitar a mesma autorização à Prefeitura.
:: ARTIGO
Loteamentos contrariam princípio da isonomia
O Ministério Público do Estado de São Paulo tem ingressado reiteradamente com ações civis públicas postulando: a) a anulação da lei municipal, por ter, indevidamente, privatizado bens públicos de uso comum, impedindo o acesso do povo a eles; b) a anulação de eventual termo de outorga de concessão administrativa desses bens públicos em favor das respectivas associações de moradores: c) a responsabilização, por improbidade administrativa, dos elaboradores de tais diplomas legais.
É de se acrescentar, ainda, mais algumas inconstitucionalidades desse tipo de legislação municipal:
a) a medida é antidemocrática e antirrepublicana, eis que privilegia, ao estilo monárquico, uns poucos moradores, em detrimento da população;
b) quebra o princípio isonômico, já que cria uma casta privilegiada de cidadãos, a qual se apropria de bens de uso comum do povo e torna os moradores dos outros bairros cidadãos de segunda categoria, excluídos, já que não podem mais adentrar em parte determinada de sua própria cidade;
c) numa era de inclusão social, a prefeitura está criando “ilhas”, “enclaves” e “tribos” na cidade, estanques e impenetráveis para o homem comum. Daqui uns dias, poderá haver lei municipal proibindo o ingresso no âmbito do município de pessoas que forem consideradas indesejáveis, como famílias paupérrimas, doentes, deficientes, idosos e desempregados. À semelhança do apartheid racial, está se instituindo a segregação social, ou melhor, a formação de castas à moda indiana. Enfim, a prefeitura está privatizando, em benefício de uns poucos, mediante venda de áreas de uso comum do povo, visando fugir às suas obrigações de prestadora de serviços públicos indelegáveis, para a execução dos quais recebe antecipadamente os impostos, taxas e outros tipos de tributos legais. Isso, sem dúvida, constitui uma forma imoral e ilícita de arrecadação pecuniária.
Paulo Fernando Silveira é advogado e juiz federal aposentado.
Fonte: Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP – Santo Amaro/SP
http://meioambientesantoamaro.wordpress.com