De acordo com especialistas, ibogaína dá ao viciado a chance de escolha. Fitoterápico é importado e já tratou pouco mais de mil pessoas na região
Um autônomo de 30 anos, que pediu para não ser identificado, passou cinco meses preso no CDP de Belém, em São Paulo, por tráfico de drogas, apesar de alegar inocência. Usuário dos mais diversos tipos de substâncias por uma década, de cocaína a gás de buzina, estava com 20 pedras de crack quando a polícia atendeu chamado de uma vizinha por conta de uma “fissura barulhenta”. “Passei o Natal em ‘cana’. Vi minha filha andar durante uma visita”, conta.
Ele é um dos pouco mais de mil dependentes químicos que procuram um instituto em Paulínia para tomar um medicamento feito com a raiz do arbusto Tabernanthe iboga, originário da África Central, do qual é extraído o alcaloide ibogaína.
Em 10 anos de atendimento, de acordo com os administradores, 70% dos pacientes se livraram do vício em álcool, crack, cocaína ou outras drogas. A substância não é proibida no Brasil, de acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), apesar de a manipulação não ser regulamentada.
Tirar a fissura
De acordo com Rogério Moreira de Souza, naturopata, mestre em medicina chinesa e administrador do IBTA de Paulínia, a raiz faz a parte mais difícil de um tratamento de reabilitação: tira a fissura do adicto pela substância. “Ela estimula o cérebro a produzir dopamina e serotonina, hormônios associados ao prazer. Na verdade, a ibogaína reensina o cérebro a produzir esses hormônios, não aciona fissura e a parte patológica de ter escolha é retomada”, explica Souza.
A raiz não é alucinógena e não causa dependência, diz o naturopata. A substância é usada em países como Canadá, México e Holanda não somente para ajudar no tratamento de adictos, mas também para aplacar distúrbios de ansiedade. É proibida em países como a Suécia, Dinamarca, Bélgica e nos Estados Unidos.
Segundo a Anvisa, a importação, desde que para uso pessoal e amparada pela prescrição de um médico, é legalizada. Assim como o uso da raiz em infusão na água quente, “por não se tratar de uma substância proibida”, diz nota do órgão.
Reseta o cérebro
Histórias semelhantes são comuns no centro de tratamento, que não recebe pacientes indispostos a largar do vício. “Ninguém fica recluso aqui, a pessoa tem de querer sair desta vida. Eles se hospedam em hotéis ou casas de parentes”, explica Souza. Ali, homens e mulheres relatam “sonhos acordados”, tremedeira e sonolência após a administração das doses, feita de segunda a sexta. “A ibogaína reseta o cérebro. Mas fazemos um trabalho psicológico pós-tratamento, pedindo para que a pessoas evitem os hábitos que podem levar de volta à adicção”, conta Souza.
O tratamento em Paulínia custa entre R$ 7,5 mil a R$ 8,5 mil, “dependendo da forma de pagamento”. “Vou retomar meu negócio de venda de carros. Vem um monte de coisa na cabeça, e quero esquecer das coisas erradas e partir para uma vida nova”, planeja um engenheiro de 53 anos, que busca se livrar do alcoolismo com o tratamento.
Eficaz
A eficácia do medicamento animou a ciência. No entanto, o argumento muda. A raiz é, sim, alucinógena, diz o coordenador da primeira pesquisa com base científica feita com a ibogaína no Brasil, o médico psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Mas ele reconhece que o percentual de sucesso é realmente impressionante.
“Acompanhamos um grupo de 75 pessoas que passaram pelo tratamento com ibogaína. Destes, 51% largaram a droga de dependência, os melhores [tratamentos] têm 35%. Esse resultado foi bastante animador como preliminar. Mas vamos propor uma continuidade”, projeta Silveira que, com 35 anos de experiência no tratamento de dependentes, não costuma se impressionar com qualquer coisa.
Para o pesquisador da Unifesp, o Brasil poderia tomar medidas para colocar a ibogaína em circulação no mercado. “Precisa que se diminua este tipo de preconceito de trabalhar com substâncias alucinógenas. Qual o problema de se tratar uma criança com um remédio derivado da maconha? A discussão é muito acalorada. Para uso terapêutico, nos países de primeiro mundo, é banal [a pesquisa com alucinógenos]. Aqui fica com briga burocrática, coisa de idade média”, lamenta. (do G1)