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É preciso cutucar a ferida

Sami Goldstein.

Foi dada a largada. Começou a temporada de promessas mirabolantes e discursos vazios. Propostas que beiram o absurdo de tão inconcretizáveis são vendidas a rodo a uma massa ávida por ouvir não o que de fato precisa ser feito, mas aquilo que soa como música aos ouvidos. Auxílios eternos e aposentadorias lunáticas se confundem com castelos nas nuvens em uma feira livre de verborragias onde o importante é confundir. Cortinas de fumaça são levantadas ante fichas corridas e muitos passando um trapo velho na carroceria desgastada, dando aquele trato e se vendendo como novidade. Muita fala, diversos abraços e pouca ação efetiva. É preciso cutucar a ferida. É preciso enfrentar a realidade de frente sem embelezá-la. A maquiagem dos sérios problemas que enfrentamos no país não pode ser a razão para mais uma vez vermos votos jogados no lixo. Sei que é um pedido inviável na integralidade. Mas não custa sonhar. Não se cria o novo fazendo o mesmo de sempre.

Vamos a alguns fatos. Uma pesquisa realizada pelo ManpowerGroup apontou que a falta de mão de obra qualificada no Brasil atingiu a marca de 81% em 2022 – a média global é de 75%. A consultoria ouviu 40 mil empregadores em 40 países e 3 em cada 4 empresários relatam dificuldades para encontrar talentos. Neste sentido, o Globo estampou a manchete nesta semana: “empregos para 50+: Empresas procuram profissionais maduros, com envelhecimento da mão de obra.”. Segundo o jornal, a participação dos trabalhadores com mais de 40 anos entre os que procuram emprego ou estão empregados chegou a 44,1% no segundo trimestre, de acordo com o IBGE. O que por um lado é um bom sinal, mas deixa aceso o sinal amarelo: o mercado está atento aos mais experientes ou é sintoma da falta de jovens aptos a serem absorvidos? Vamos por mais um pouco de lenha na fogueira: o número de empreendedores que fundaram um negócio após ficarem desempregados saltou 20% nos últimos quatro anos. Essa é a conclusão de recente pesquisa do Datafolha e do Simpi-SP. Somente em São Paulo, 54% dos entrevistados estavam desempregados ao abrir uma empresa, enquanto 42% deixaram o emprego para empreender. O Brasil está caminhando para um viés mais empreendedor ou o “empreendedorismo por necessidade” está se transformando na regra em vez de exceção? Por fim, vamos colocar o definitivo pavio nesta bomba prestes a explodir: pesquisa de opinião encomendada pelo Todos Pela Educação em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, o Instituto Natura e o Instituto Sonho Grande, realizada pelo Datafolha entre 8 de fevereiro e 18 de abril deste ano, dá conta que quase todos os jovens brasileiros (98%) que estão hoje no Ensino Médio das redes públicas querem uma escola que os prepare para o mercado de trabalho e 9 em cada 10 gostariam de escolher uma área para aprofundar estudos durante a etapa. O que nos remete ao primeiro fato: a falta de mão de obra qualificada só cresce!

É preciso cutucar a ferida. Os mais experientes precisam ser valorizados por sua bagagem profissional. Esse é um processo contínuo e duradouro que precisa partir da consciência de que nossa expectativa de vida está cada vez maior. O que não pode é decorrer de uma deficiência cada vez mais gritante na outra ponta: nossa juventude despreparada e desqualificada. Nossas crianças precisam de um norte para o mercado de trabalho e nossos empreendedores de orientação para serem sustentáveis. Em resumo, o que sempre digo: a qualificação abre portas e muda vidas.